domingo, 5 de abril de 2009

recortes

Sobre o Diário Oficial do município de Campos dos Goytacazes

Quando a Prefeitura de Campos dos Goytacazes passa a contar com um sistema próprio para publicação do Diário Oficial, talvez valha recordar que a proposta de implantação de tal estrutura não é nova.
Em 1966, o jornalista Vivaldo Belido aceitou fazer campanha para o então candidato a prefeito José Carlos Vieira Barbosa (Zezé Barbosa), sob a condição de que o postulante ao executivo municipal, "se eleito, abrisse a concorrência pública para a instituição de um Órgão Oficial para a Prefeitura de Campos". Vivaldo, hoje falecido, era, àquela época, dono do jornal A Cidade. O relato das (frustadas) negociações dele com o candidato e depois prefeito eleito está num dos capítulos do livro Política, políticos e eleições (imagem abaixo, capturada do blog Campistana), que foi escrito pelo jornalista, publicado em 1988 e relançado em 1993. A transcrição de um trecho de tal capítulo, "Aparece a figura da sub-legenda", no qual o autor descreveu as eleições de 1966 e acabou por justificar a razão de sua implicância com Zezé Barbosa, apresentada em várias partes da obra em questão, inaugura "recortes", nova seção deste blog.
Aos leitores dispostos a ler o longo texto a seguir e mais interessados pelo assunto nele abordado, vale dizer que, em 1966, Carlos Ferreira Peçanha, ao passar de presidente da Câmara Municipal de Campos a prefeito e assumir a cadeira de Rockefeller Felisberto de Lima, substituiu um vice-prefeito que chegou ao poder por conta da morte do titular do cargo, João Barcelos Martins, em 1964, logo após o golpe de Estado ocorrido naquele ano; a sub-legenda foi uma criação do período dos governos militares por meio da qual os dois únicos partidos políticos da época (Aliança Renovadora NacionalARENA e Movimento Democrático Brasileiro MDB) poderiam lançar mais de um candidato ao poder executivo.
No mais, observem-se no trecho aqui recortado alguns dos aspectos recorrentes no mundo da política campista (mas não só no dela): a relação da mídia local (mais especificamente a impressa) com os políticos; o discurso de um recém-eleito sobre a necessidade de "arrumar a casa" (a Prefeitura) e sobre o descompasso entre o orçamento virtual e real (o que estaria "apenas no papel") como desculpa para não cumprir compromissos de campanha (o daqui assumido com um jornalista e não com a população).
Quiçá alguns dos poucos leitores do que é publicado neste blog que têm mais de cinquenta anos se lembrem com saudade de uma das antigas sedes da Prefeitura, a do "casarão da praça São Salvador", prédio hoje caindo aos pedaços, embora abrigue há mais de duas décadas o Projeto Museu de Campos.
Os curiosos por conhecer o desfecho do desentendimento entre Vivaldo Belido e Zezé Barbosa podem ler em Políticas, políticos e eleições todo o capítulo do qual foi extraído o trecho transcrito abaixo. Trata-se de assunto que foge ao interesse do primeiro dos muitos "recortes" a serem publicados aqui.
"ROCKEFELLER de Lima se afastara da Prefeitura para candidatar-se à Câmara Federal e Carlos Ferreira Peçanha, o Carlinhos, estava à frente do governo municipal. Ele era um Zezé doente e fazia tudo em prol da candidatura do seu amigo à sucessão municipal, incluindo-se nesse tudo o fato do seu tio, Theotonio Ferreira de Araújo Filho, estar ocupando o governo fluminense. Carlinhos e Zezé se desdobravam em busca de apoio e foi aí que sobrou para mim. Sérgio Sieberath era secretário de fazenda de Carlinhos e este desejava que eu fizesse no jornal a campanha de Zezé. A princípio disse não. Mas Carlinhos insistiu e Sérgio, embora não tomasse posição, torcia no sentido de que eu seguisse o caminho indicado por Carlinhos. Estavam as coisas nesse pé quando ele, Carlinhos, levou Zezé ao jornal (jornal “A Cidade”) num fim-de-noite para uma visita de algumas horas.
Zezé pode ser o que fôr, mas, principalmente quando quer, é uma simpatia. E numa segunda visita ao jornal eu aquiescera em faz a solicitada campanha eleitoral pró-Zezé no jornal. Ficou faltando saber o que eu queria pela prestação do serviço, detalhe também resolvido nessa segunda visita.
Disse a Zezé que desejava apenas que ele, se eleito, abrisse a concorrência pública para a instituição de um Órgão Oficial para a Prefeitura de Campos. Fiz essa exigência e passei às suas mãos um exemplar do órgão oficial de Cachoeiro do Itapemirim, município considerado inferior a Campos, inclusive economicamente, e que entretanto já dispunha do seu jornal para divulgação dos seus atos oficiais.
Zezé achou a idéia simplesmente genial e brilhante. Disse que quanto a isso não haveria nenhuma dúvida e entrou numa série de considerações favoráveis à instituição de um órgão oficial para a Prefeitura de Campos, meta cujo primeiro passo seria o envio à Câmara de mensagem nesse sentido.
Dispunha eu, nessa ocasião, do melhor dispositivo gráfico de Campos, dotado de quatro máquinas linotipo e de impressora rotativa, máquina no Estado do Rio possuída apenas pelo “O Fluminense”, em Niterói, e por “A Cidade”, em Campos. Estava acima de qualquer dúvida, assim, que aprovada a mensagem para a instituição do órgão oficial da Prefeitura e aberta a concorrência pública, eu a ganharia sem sombra de dúvida.
Estruturei a campanha pró-Zezé e comecei a mandar brasa. Defendi a tese de que o melhor candidato seria Wilson Sá, mas que este não dispunha de condições eleitorais para eleger-se, salientando como segunda opção Zezé Barbosa, um sangue novo que merecia que se lhe desse oportunidade de governar o município, inclusive porque os demais candidatos, José Alves e Ferreira Paes, tinham ambos passado pelo governo municipal sem nada que os recomendasse realmente a uma reeleição.
Foram dois ou três meses de marteladas diárias e, dois ou três dias antes da realização do pleito, o José Alves procurou o Juiz Eleitoral, dr. Décio Cretton, para reclamar que o jornal “A Cidade” estava criando um clima emocional junto ao eleitorado, prática prevista no Código Eleitoral e proibida por aquele instituto.
Realizado o pleito, Zezé venceu, beneficiado inclusive pela soma de votos das sub-legendas. Eu não mais o vira durante a campanha e nosso terceiro encontro, nessa época, seria casual, num almoço no Palácio do Ingá com o governador Theotonio de Araújo. Zezé estava então com umas três ou quatro semanas de eleito e, ao ver-me, desdobou-se em elogios, salientando que a campanha funcionara cem por cento e que ele gostara muito, que fôra muito engenhosa. Essas coisas.
Continuei, conforme é do meu feitio, não procurando Zezé, sempre fiel ao princípio de que políticos, com mandatos ou não, governantes ou não, nada têm para me dar. Essa talvez seja a razão por que conto nos dedos, com sobras, os amigos políticos que tenho e os conservo até hoje, estejam ou não no exercício de mandatos.
Cerca de dois meses depois da instalado o novo governo campista fui à presença do prefeito Zezé Barbosa cobrar a instituição de um órgão oficial para Campos. Eu estava cheio de planos nesse sentido e nem de longe imaginava que o assunto viria a ter o desfecho que teve.
Muito compenetrado e às vezes fazendo sobrolho, Zezé recebeu-me em seu gabinete do casarão da praça São Salvador. Disse-me cordialmente que eu deveria esperar um pouquinho enquanto ele arrumava a casa. A frase não me soou bem porque, afinal de contas, encerrava uma restrição, ainda que sutil, a Carlinhos, o prefeito que tanto fizera para a eleição do novo governo.
Esperei mais que um pouquinho e retornei à presença do prefeito Zezé Barbosa para ouvir a mesma cantilena, tudo dentro da maior cordialidade e em meio a assuntos diversos.
No terceiro e último encontro que então tivera com o prefeito Zezé Barbosa resolvi lhe perguntar o que estava havendo, afinal. Ele me disse que as coisas não eram bem como ele pensava, que a situação estava abracadabrante etc. Disse-lhe que, ao contrário, o orçamento era promissor e dele ouvi a assertiva de que era engano, pois estava tudo apenas no papel.
Concluí que não adiantava argumentar nem contra-argumentar e decidi dar o papo como terminado. Antes, porém, disse ao prefeito Zezé que aproveitava aquele momento para desejar a ele a realização de um bom governo e que, por muito bom que viesse a ser esse governo, teria certamente seus aspectos negativos e estes seriam por mim explorados, exercendo assim uma oposição àquele governo.
Falei muito baixo, mas estou certo de que Zezé captara todas as minhas palavras. Tanto que ele, meio rindo (afinal eu o estava liberando de um compromisso), disse-me que ele estava por dentro e que jornal em Campos não vivia sem ajuda da Prefeitura. A essa afirmação lhe respondi que, quanto aos outros jornais, eu não sabia. Mas que "A Cidade", se não viesse a fechar, manteria a posição ali por mim anunciada."
(BELIDO, Vivaldo. Aparece a figura da sub-legenda. In:_____. Política, políticos e eleições. Campos: Damadá, 1988. p. 179-182).
Atualização (23:17): Revisão do texto de apresentação do trecho transcrito e inclusão de duas frases no início deste, visando a valorizá-lo mais.

3 comentários:

xacal disse...

Caro Soprador,

Puro suco, puro suco amigo...

Um pedaço precioso de nossa história, contada com sinceridade de quem escreve suas memórias, e de certa forma, já está distante delas...

Ainda que alguns trechos possam ser enfeitados para dar uma grandeza de espírito maior ao narrador(como o episódio onde pediu um concorrência em troca de uma campanha feita sob o manto da notícia), as entranhas de nossa tradição política ali estão escancaradas...

Gustavo Landim Soffiati disse...

Xacal,

Bom que tenhas gostado. Pelo menos pelo valor histórico do texto. Espero que consiga publicar outras preciosidades do tipo nesta seção. De prefência mantendo certa regularidade (o que não tem sido meu forte).

Um abraço.

Antonio Almeida Barreto disse...

Soprador e historiador,

Excelente. Lamento só ter visto agora sua primorosa mensão que relata as relações dos políticos com os donos do órgãos de comunicação (Zezé Barbosa x Vivaldo Belido)que a tecnologia em nda mudou, é a mesma coisa. Se bem que antes com suportes moralidade e transparência, que se não se vê mais. Hoje,se refilmado o caso Diário Oficial-Zezé-Vivaldo seria com atores de classe inferior e sem qualquer pudor ético.
Mas é extraordinária sua lembrança e o José Barbosa está preparando um livro onde conta (já adiantou em entrevista) que foi injustiçado pela imprensa mas que não ligava. Fez, assim, pouco caso de uma briga que rendeu 10 anos de inimizade.
E se tirar como bobagenzinha os acontecimentos de 1966 e sequentes, dando versão muito desfavorável ao jornalista, deverá enfretar colocações duras do filho do jornalista, Guilherme, que está aí e não é fazer brincadeira quando defende o pai. Uma pessoa difícil e muito vaidoso, mas honesto. Por ser financeiramente independente (graças ao pai) não deixa passar nada quando o assunto é Vivaldo Belido de Almeida e pega pesado.
Valeu, Soprador. Seu blog está entre os poucos que faz bem ler.
Antonio Almeida Barreto - Professor Apos. do Aldo Muylaert